terça-feira, 30 de agosto de 2011

O velho




No andar superior, eu caminhava distraída com as mãos no bolso do casaco.
Inclinei a cabeça para baixo e avistei um banco vazio .. tão triste!
O dia estava nublado, as cores eram frias e parecia não existir vida em nenhum lugar.
Algumas quadras dali, no décimo terceiro andar alguém ligava a ducha no quente ...

O jorro d'água espalhava-se pelas manchas da pele desgastada drenando a exaltação.
Sem pestanejar, apanhou o sobretudo preto e vestiu em trinta segundos ...
Fechando a porta, estendeu a mão para pegar o guarda chuva pendurado à direita
(ao lado de um quadro torto do Charles Chaplin).
Andava passos lentos, deixando pegadas de coturno no asfalto molhado
(entre passos e pegadas apoiava sua melancolia no guarda chuva)
Seu destino? O banco triste, úmido e gelado.

Sentou-se. Esticou as pernas. No colo, pos o guarda chuva.
Uma música tocada ao saxofone veio de uma das salas cheias de gente.
Ele fechou os olhos e se deixou levar pelas ondas da sinfonia.
Debruçei-me sobre o corrimão da escada e disponibilizei toda minha atenção.

Seria ele um anjo embriagado ou apenas fruto da minha imaginação?
Tirou o chapéu e o cheirou por um longo tempo .. curioso isso!
Pelo semblante, parecia-me um cheiro bom (daqueles que trazem lembranças).
.. depois navegou com as mãos o corpo do banco.
Desconfio que existe ali algum significado emocional.

A música chegou ao fim e como uma estátua de zinco ..
O velho permaneceu na mesma posição com o olhar fixo ao horizonte.
De tempo em tempo, fazia um esforço e ria para o céu.
Será que ele enxergava um desenho engraçado nas nuvens?
Ou será que a lucidez havia sido invadida pela covardia do dia a dia?

Joguei uma pétala de rosa amarela que foi corajosamente em direção à sua morte.
Ao tocar a chuva empoçada na calçada despertou um movimento do velho
... que levantou-se e procurou a direção de onde viera a pétala misteriosa.
Meus olhares eram de julgamento .. Os olhares dele eram de proteção.
Ao analisar a cena, penso:
.. quanta delicadeza, honra e simpatia para um homem aparentemente robusto..

Se eu fosse transformar o velho esotérico em poesia ...
Eu o desenharia ao lado de um cavalo branco em um dia dourado.
Pintaria seus lábios de rosa e tiraria aquela carência à espera de afagos.
Iria buscar mil borboletas e soltá-las em uma ilha de pirâmides e pedras!
Transformaria cada pensamento íntimo em realidade ...
À fim de exterminar suas fantasias escuras e trazê-las para claridade.
Eu recriaria Eva com traços sensuais para dispor-lhe todos os prazeres imagináveis.
Não existiria maçã. Não existiria pecado. Não existiria proibição. 
Seriam somente os dois e o eterno paraíso afrodisíaco!