quarta-feira, 23 de maio de 2012

"..."



Naquela época vivíamos desafiando a construção de sorrisos perigosos na descida da cachoeira. Tínhamos a obrigação de aproveitar ao máximo, pois mamãe dava-nos compromisso de estar às seis em casa, "tomados" banho já! Lembro-me bem, os lírios cresciam enquanto a noite caia, sempre cedo, sempre quente, sempre silenciosa .. Eu costumava deixar a janela aberta e observava o tempo negro, deitada na rede que tinha um cheiro de maça verde. Estranho! Devia ser o produto que usavam para lavá-la ... O cata-vento girava e proibia-me de gozar da plena lucidez, pois os giros hipnotizavam-me, deixando a noite ainda mais irresistível.. Será que em outro lugar, a noite era mais bonita? não! impossível .. A noite mais linda era minha. 

Os vizinhos tinham nomes criativos, falavam em outra língua (achava aquilo incrível), mas gostava mesmo era daqueles docinhos que a mãe dos meninos traziam, típico ato de cidade pequena, eles mudam uma coisinha ou outra da receita original e leva um bocadinho para cada vizinho, quando ela apontava no portão com um pratinho, eu gritava: mãe, petit gateau!! Pulava da rede e saia correndo, mamãe ensinou-me à sempre oferecer café, mas aquele dia não tinha.. Ela preparou um suco verde com ervas, um cheiro esquisito e o gosto horrível, mas era o preferido da vizinha, que enquanto mamãe fazia o suco, ensinava-me a pronunciar aquele docinho, silabicamente com batom vermelho gritante: Acompanha-me, pe-ti-ga-tô .. Repita! 

Minha avó, que vivia ajustando o relógio e trocando as pilhas, costumava dizer que a manhã era corrida e cheia de tarefas estressantes, mas depois que os homens do garimpo deixavam uma pia de louça enorme, ela lavava tudo sorrindo, pois naquele dia, não mais os veriam! Sempre encrencava com um que era bem atrapalhado e pisava com as botas de lama no piso de taco, mas ela fazia-o limpar, até dava o pano e ensinava. Durante a tarde, ela arriscava jogar bola com meu irmão, mas a idade avançava e mostrava que isso era apenas uma vontade, ela era melhor com os bolos da cozinha.

Eu, sempre ficava atrás de coisinhas miúdas com a lupa na mão..Gostava mesmo era de subir na árvore, tinha cada bichinho lá melhor que boneca! Eu só não gostava de pisar na areia, dava uma gastura irritante, eu corria e molhava meu pé, deixava a água correr e ia sentar embaixo da sombra da seriguela, era a maior e a minha preferida. Eu colecionava pedrinhas minúsculas e alguns gravetos bonitinhos, muitas vezes, na volta para casa, eu atirava as pedrinhas no meu irmão e seus amigos para os afastar de perto das árvores, afinal, achava tão maldoso eles matarem os passarinhos, cortava-me o coração.

A noite eu parecia ser santa, ficava quietinha deitada na rede ou sentada na escada, olhando a lua e sempre contava oito estrelas .. Tinha bem mais, porém, oito já eram suficientes para mim. Meus tios diziam: Essa garota não bate bem da cuca! Essa garota parece viver no mundo da lua! E essa, era a frase que eu mais gostava, pois de certa forma, "viver no mundo da lua", parecia-me algo muito agradável.. Será que lá é calor ou frio? Por via das dúvidas seria melhor levar um casaco, aquele vermelho, bem quentinho.

Quando eu estava no auge  dos meus pensamentos brilhantes, no conforto da imaginação, que tinha um colo que parecia de veludo ou nuvem derretida, completamente emergida pelo prazer que a natureza me dava de graça, ouvia uma voz interromper: "Filha, esta na hora de dormir, amanhã tem escola cedo, vem". Um pouco brava, eu ia caminhando bem devagar, contando os passos e despedindo-me: Lua? Vento? Estrelas? Quase chuva? Boa noite para vocês.

     

Um comentário:

  1. Me fez parar e refletir...
    http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2012/05/realidade-ficcional.html

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